Há quem acredite que, com a morte de Augusto Pinochet e o próximo desaparecimento de Fidel Castro, a era dos ditadores estará extinta na América Latina. É esperança louca. O que está em vias de acabar é a era dos ditadores nacionais, prenunciando o advento da ditadura continental. Não estamos vendo o fim, mas um upgrade da tirania latino-americana.
Começo com uma distinção óbvia. Excluindo as tiranias dinásticas, oligárquicas e populistas, que realmente pertencem a uma fase histórica extinta, há ditaduras reacionárias e revolucionárias. As primeiras são temporárias por natureza, pois têm ambições limitadas, visam à restauração de um estado anterior e se diluem tão logo alcancem seus objetivos. As ditaduras revolucionárias arrancam as raízes do passado e criam do nada um mundo novo. Não raro, pretendem modificar não só a estrutura da sociedade, mas a própria natureza humana. Promovem transformações tão profundas – e tão perversas --, que, quando se extinguem, já não é possível nem restaurar o que existia nem criar um novo padrão de normalidade. Muitas ditaduras reacionárias, passado o pesadelo, deixaram saldos positivos. O Chile, a Espanha e Portugal, quando se desvencilharam de Pinochet, Franco e Salazar, eram países livres e prósperos. As ditaduras revolucionárias não deixam outra coisa senão um rastro macabro de devastação e morte que só pode resultar em novas ditaduras ou numa decadência longa e irreversível. A França do Antigo Regime era a nação mais rica e poderosa do mundo. Depois da Revolução, veio de queda em queda até reduzir-se a uma burocracia falida, dependente da ajuda americana, subserviente a ditadores estrangeiros e incapaz de resistir à invasão cultural islâmica. O Vietnã e a Coréia do Norte são cemitérios mal administrados. A China pós-Mao é a festa permanente dos generais em meio à miséria do povo. A Rússia mergulhou no caos e na corrupção. A única esperança de uma nação, após a experiência da ditadura revolucionária, é ser salva desde fora, como o foi a Alemanha. Mas ninguém pode querer isso e depois ter o direito de choramingar que os EUA são a polícia do mundo.
As ditaduras em formação na América Latina definem-se por duas características: (1) são todas revolucionárias, prometendo a mutação radical e a militarização integral da sociedade; (2) não são fenômenos isolados, nacionais, mas o resultado de uma articulação continental que começou na década de 60, com a OLAS (Organização de Solidariedade Latino-Americana) e colheu seus primeiros frutos após a criação do Foro de São Paulo em 1990. Desde então o projeto da revolução latino-americana vem alcançando vitória em cima de vitória, sem encontrar qualquer resistência senão da parte de esquerdistas light que, malgrado seus escrúpulos democráticos ao menos formais, são no fim das contas escravos ideológicos do mito revolucionário e, por isso mesmo, meros colaboracionistas disfarçados.
A possibilidade de que o processo venha a ser detido pela emergência de ditaduras reacionárias, mesmo locais e isoladas, é praticamente nula. Os poderes internacionais e a grande mídia européia e americana oscilam entre os simulacros de protesto e a cumplicidade ostensiva. E a máquina democrática em cada país foi tão bem alterada desde dentro, que já não pode servir senão para legitimar a tirania por meio da aprovação popular.
A era das ditaduras no continente não acabou. Está apenas começando. Como diria o saudoso Paulo Francis, there’s coming a shitstorm.
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